Já corria o final do ano de 1984. O Brasil se unia com o movimento das "Diretas Já" e com a inauguração do Sambódromo no Rio de Janeiro. Eu também corria, mas era entre a faculdade de Direito, os shows, as rodas (de samba, de choro e de capoeira), a praia, enfim, tudo o que eu penso que se esperaria de um carioca da gema aos 20 anos. E assim, do nada, surge um convite para eu tocar no navio Funchal com destino final em Portugal, mais precisamente na cidade de Lisboa e sem a passagem de volta. Nem pestanejei e topei a parada na hora! A "U.E.R.J'' perdeu um razoável estudante de Direito, mas eu ganhei o mundo e ainda deu tempo de ver a Mocidade Independente ganhar o Carnaval em cima da Beija Flor e da minha Mangueira, isso já no iniciozinho de 1985... E assim, na quarta feira de Cinzas, partimos.
Eu, o Luis Louchard (hoje baixista na banda do Zeca Pagodinho), o Rodrigo Lessa (compositor, arranjador e bandolinista do Nó em Pingo D'água) e o Marcio Silveira (músico e professor de História), levando na nossa bagagem o samba de raiz (essa expressão ainda nem existia) e o choro. Confesso que tocar num navio (Paquete em Portugal) é uma arte para poucos. Vamos lá: O público é sempre o mesmo, quem não é do mar enjoa (sábio Martinho da Vila) e as saudades do Rio que já me consumiam, mesmo ainda atracados, no porto carioca.
Se Portugal para mim era o "Fado Tropical" do Chico Buarque e um completo mistério enquanto país, imagina musicalmente falando. Eu conhecia a Amália, o Carlos do Carmo, o Francisco José e o Roberto Leal (o único artista que no Brasil era português mas em Portugal, brasileiro) e por uma coincidência, meses antes, havia comprado 3 LPs lusos na Feira da Providência. "Triângulo do Mar" do Carlos Mendes, "Como se Fora seu Filho" do imortal Zeca Afonso e "Cavaquinho português" do Júlio Pereira. Assim, meio pisando em ovos, fomos tocando como "Os Camisa Amarela" e dividindo palcos com artistas do naipe de Rui Veloso, Ena Pá 2000 e Rão Kyao... E assim, como quem não quer nada, fizemos rádio e televisão, celebramos o 25 de Abril comendo um cozido, na casa do Zeca Afonso e ainda gravamos "A Queda do Império" (“Perguntei ao vento, onde foi encontrar”...) no disco Sul do grande cantor Vitorino.
Os portugueses, por sua vez, conheciam bem a MPB (Tom, Vinícius de Moraes, Gal, Simone, Bethânia), mas não sabiam quase nada sobre samba e muito menos, choro. Pudera, meus amigos e colegas de bar, de praia e de Universidade também não sabiam. (ponto para Portugal!). Além das composições próprias, apresentamos sambistas e chorões tão diversos como Paulinho da Viola, Jacob do Bandolim, Wilson Moreira & Nei Lopes, Ernesto Nazareth, Cartola, Candeia, Nelson Cavaquinho... e quando alguém gritava, "toca uma do Caetano!" me soava ao "toca Raul!" dos dias de hoje.
Pois é, "por isso estou aqui vivendo este momento lindo", há 20 anos em Portugal.
O samba, o choro e o cavaquinho me levaram a um monte de lugares. Eu, literalmente, viajei com a cultura do meu país, mas isso são histórias para uma próxima.
Ah!, não reparem na qualidade das fotos… “naquele tempo” as máquinas tinham rolos e nós… perdemos todos eles.